O Olhar Passageiro leva uma exposição fotográfica aos ônibus de Porto Alegre. São vinte e cinco imagens sobre a cidade, em preto-e-branco, obtidas através da técnica pinhole. As fotografias foram obtidas pelo grupo Lata Mágica que é formado por cinco fotógrafos: Guilherme Galarraga, Maisa del Frari, Paula Biazus, Pedro Araújo e Rafael Johann. As câmeras fotográficas usadas neste processo são artesanais e não possuem lentes, apenas um pequeno furo por onde a luz imprime na superfície fotossensível. Latas de panettone e papel fotográfico 18 x 24cm foram os materiais utilizados pelos cinco fotógrafos do grupo Lata Mágica para registrar esses lugares significativos de sua cidade. Vinte e cinco imagens impressas em adesivos e afixadas nas janelas de cada ônibus metropolitano de Porto Alegre. Uma imagem em cada veículo.
A exposição dos adesivos ocorre, também, na galeria Lunara do Centro Cultural Usina do Gasômetro no período de 24 de junho a 30 de julho. As imagens do trabalho podem ser adquiridas como um conjunto de cartões postais a partir da abertura da exposição na galeria Lunara. As fotografias permanecem nos ônibus até dezembro de 2003.
A exposição dos adesivos ocorre, também, na galeria Lunara do Centro Cultural Usina do Gasômetro no período de 24 de junho a 30 de julho. As imagens do trabalho podem ser adquiridas como um conjunto de cartões postais a partir da abertura da exposição na galeria Lunara. As fotografias permanecem nos ônibus até dezembro de 2003.
Latas mágicas, latentes magias
A fotografia nos coloca constantemente diante de um mistério, e nunca diante de uma certeza. Ela nos obriga a uma interrogação sobre as nossas vidas, sobre o mundo que nos cerca. A fotografia é uma revelação, uma experiência de iluminação. É exatamente neste ponto que os artistas do grupo Lata Mágica sabem trabalhar: nestas tensões latentes, características da imagem fotográfica, buscando uma nova maneira de ver, um novo preto-e-branco. Paradoxal recuo no tempo: ao reabilitar uma técnica ancestral e procedimentos antigos, a fim de remexer com o passado e de romper com a lógica industrial e comercial das técnicas modernas de gravar imagens, através da utilização da velha câmera pinhole, o Lata Mágica valoriza o gesto criador. E ainda reinscreve o indivíduo, aquele que cria a imagem, no processo.
Fotografar é tentar agir contra o tempo: parar o tempo, tornar presente para sempre o passado, transformar um instante em eternidade. Como o inconsciente, a imagem fixa das fotografias representa algo fora do tempo. E a técnica pinhole desenvolvida pelo grupo é, acima de tudo, uma técnica fora do tempo: tanto do passado como do futuro. Porque ela sempre será atraente pela sua simplicidade. É só pensarmos no tempo de exposição: quantos segundos, quantos minutos são necessários para a gravação da imagem latente no interior da lata que um dia guardou um panettone? Tempo mágico. A fotografia trabalha com um material diferente das outras linguagens, um material-tempo. E porque este tempo é de fato um tempo suspenso, ele deve ser conduzido por um artista, que nele é o ator principal, embora não seja o único.
Neste projeto denominado O Olhar Passageiro, atores serão, tenho certeza, todos aqueles que observam as imagens realizadas pelo grupo. Aqueles indivíduos simples, mas que se deixam sonhar em uma viagem de ônibus pelas ruas da cidade. A fotografia tem este poder de nos fazer imaginar e nos interrogar porque ela trabalha os nossos contrários: o longe e o perto, a fluidez e o congelamento, o negativo e o positivo, a forma e o material, o real e a imagem. É por isto que a fotografia é poética. A fotografia é uma oportunidade para o poeta, um achado para o artista, um privilégio para o homem em geral. As belas imagens obtidas por uma singela câmera pinhole, por sua estranha beleza ou pelo seu aspecto sublime, provam que a arte fotográfica existe. É isto que nutre o nosso pensamento.
Fotografar é estar próximo e estar longe. Coincidente, é a mesma condição que se encontra um passageiro de ônibus. Explico melhor: a fotografia é um aprendizado de separação, ou uma promessa de um encontro para bem breve. No ônibus, estamos sempre na condição de separação, de deixar algo, ou então em uma condição de chegada. Tomar um ônibus: sair de um lugar, ir para outro lugar. Olhar uma fotografia também: nos damos conta de que aquela imagem está longe, separada de nós. Mas ao mesmo tempo, sabemos que, se quisermos, nós poderemos alcançá-la.
A fotografia é um grito silencioso. Diferentemente da pintura, que nasceria do ato de acrescentar sombras e luzes, a fotografia surgiria da incerteza. Incerteza de uma imagem latente, captada no interior de uma câmara. As variações luminosas são presas por um obturador manual, no caso da pinhole. Por um dedo. Latentes pulsações, latentes ruídos, latentes perspectivas distorcidas, latas mágicas na cabeça.
A imagem presa dentro da lata é uma promessa de imagem, uma imagem a surgir, incerta e frágil. Ela não possui outra realidade que a do desejo, a da angústia pelo que pode vir, tanto que nós só descobriremos quando nada mais será possível mudar, como na hora da revelação. Como a fecundação, a gestação, e os antigos nascimentos antes das imagens de computador. A fotografia pinhole é antes de tudo uma promessa de recuperação de um mistério, do mistério da criação.
Eduardo Vieira da Cunha Artista Plástico
Professor do Instituto de Artes / UFRGS
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